Trata-se provavelmente de uma das questões mais debatidas em desportos de endurance. As opiniões diferem mas, na minha modesta opinião, nas maratonas de montanha a ingestão de calorias deve-se basear em géis, baseada em 2 pressupostos:

  • é uma distância suficientemente longa para o aporte energético ser fundamental
  • é uma distância suficientemente curta (e intensa) para dificultar o aporte de comida sólida.

Quem já passou por uma situação de hipoglicemia sabe que é uma sensação terrível, arruinando por completo as aspirações a uma boa performance. No entanto, a hipoglicemia é facilmente evitável e, cada vez que preparo uma prova, lembro-me de que não quero ter essa experiência. Seguem-se algumas questões frequentes.

  • Quantos géis devo tomar por prova?

Isto é altamente variável. Os experts recomendam quase consensualmente o aporte de 200kcal/hora, mas pensar que controlamos o corpo humano com fórmulas universais é perigoso. Entre atletas de topo, conheço variações entre os 2 e os 9 géis por maratona, para performances semelhantes. Estas diferenças existem porque atletas diferentes têm metabolismos muito diferentes, daí a falha das fórmulas universais. 

A imagem seguinte mostra um esquema simplificado das principais fontes de energia que usamos durante uma prova de longa distância. Ambas as fontes de energia convergem na formação de AcetilCoa, a partir do qual seguem uma via comum que culmina na produção de energia.

Quando estamos em esforço, o nosso organismo dá prioridade ao uso da via A, com um mecanismo enzimático mais simples e rápido e vai buscar os hidratos de carbono ao músculo e fígado. No entanto, as reservas de hidratos de carbono são esgotáveis, ao contrário das reservas de ácidos gordos que são virtualmente inesgotáveis em competição (um indivíduo de 70kg com 15% massa gorda tem quase 10kg de gordura corporal!)

  • E então, como poderemos melhorar a eficácia do uso de energia?

Na figura em baixo, estão esquematizadas as principais formas de melhorar o aporte energético em prova:

  1. Os treinos longos, os mal-afamados "treinos curtos em jejum", a evicção de alimentos com elevado índice glicémico na dieta diária e o aumento da ingestão de gorduras no dia-a-dia, comprovadamente aumentam a eficiência da via B. Quando estamos em forma, necessitamos de um menor aporte calórico em competição, porque todas as complexas vias de utilização de ácidos gordos funcionam de forma mais eficiente.
  2. A ingestão de géis aumenta de imediato a quantidade de glicose disponível em esforço.
  3. A ingestão de uma elevada quantidade de hidratos de carbono nos 3 dias anteriores a competição, asseguram que as nossas reservas estarão repletas quando necessário.
  4. A cafeína promove a via B em detrimento da A, daí o facto de ser um componente frequente dos géis comercializados.

O Kilian relata treinos frequentes de 6-7horas de corrida, com um aporte energético muito baixo, daí que não surpreenda o facto de necessitar de um aporte calórico baixo em prova: a sua via "B" é muito eficiente e tem uma grande capacidade de armazenamento de hidratos de carbono. No meu caso, faço poucos treinos longos por falta de tempo livre disponível, logo achei o meu equilíbrio com um elevado aporte de hidratos de carbono em competição. 

  • Quando devo começar a ingerir géis durante a prova?

Um dos erros mais frequentes dos atletas é começarem a ingerir géis tardiamente, quando sentem uma quebra de rendimento ou quando sentem alterações de cognição. Estes são sinais de hipoglicemia nos músculos e cérebro e, quando se instalam, é tarde demais: o atleta irá quebrar a sua performance e será muito difícil compensar este deficit até o final da prova. Aquela sensação frequentemente descrita como "a cabeça está leve" é um importante sinal de que o cérebro necessita de glicose e de que falhámos no nosso aporte calórico. Os géis devem ser tomados de forma preventiva e não como uma solução para um problema instalado. 

  • Mas não deveria evitar os géis em competição por causa dos "picos de insulina"?

Nunca percebi a origem deste mito. Quando comemos num estado de repouso existe um aumento da libertação de insulina que baixa a glicemia plasmática através da promoção do seu armazenamento. Quando ingerimos alimentos em competição, com glicemias baixas e em estado catabólico, NÃO existem picos de insulina e este facto encontra-se demonstrado há várias décadas (o nosso corpo não é "estúpido" a esse ponto). Relativamente à ingestão de alimentos nos minutos antes da competição, aí sim existem picos de insulina, mas não está demonstrado que os mesmos tenham influência na performance. 

  • Que gel devo ingerir? Existem tantas marcas e variações!

Os géis transportam uma elevada quantidade de calorias num baixo volume, mas têm 2 problemas principais:

  1. causam distúrbios gástricos (eventualmente intestinais reflexos) pelo seu elevado conteúdo em glicose;
  2. causam uma sensação de náusea pelo sabor doce intenso.

Penso que o que qualquer atleta deve saber distinguir num gel é o conteúdo em maltodextrina. Alguns conceitos importantes são os de que a Glicose é um monossacárido (1 molécula de glicose), a Sacarose é um Dissacárido (2 monossacáridos juntos) e o conceito de um açúcar é o de moléculas simples como monossacáridos e dissacáridos. A maltodextrina trata-se de um polissacárido (muitas glicoses juntas) com ligações fracas entre si, facilmente quebradas, resultando em géis com sabor pouco intenso, mais toleráveis e de absorção rápida. Pessoas que necessitem de grande aporte calórico e com elevada sensibilidade gastrointestinal devem preferir géis com elevado teor proporcional de maltodextrina.

maltodextrina

Costumo comparar géis com base no peso (importante para o peso que transportamos durante a corrida), total de kcal (o aporte energético) e os gr. de hidratos de carbono/açucares (no caso dos géis, os que não são açucares, são na sua maioria maltodextrina). A maioria dos outros componentes dos géis, além da cafeína, são irrelevantes para a performance neste contexto. Pegando em informação de marcas, disponível no site da Prozis (aqui), a informação relevante dos géis que retiro é:

  • EXEMPLO: GEL (peso em gr.-kcal, Hidratos de carbono em gr./açucares em gr.).
  • Carborade energygel (40g-107kcal, 26.50/6)
  • Goldnutrition extremegel (40g-105kcal, 26/4.8)
  • Biotech energygel (60g-82kcal, 16/14)
  • SIS GO (60g-87kcal, 22/0.60)
  • Powergel Original (41g-107kcal, 26.7/9.8)
  • Zipvit Z7 (51g-204kcal, 51/26.8) 

Com uma análise simples, podemos concluir que o gel Biotech é maioritariamente composto por açúcares, que os geis da Carborade, Goldnutrition e Powergel são muito semelhantes na sua constituição (~25% açúcares) e que o SIS GO é o gel mais adequado para quem tiver uma elevada sensibilidade Gastrointestinal. O Zipvit, destaca-se pelo dobro das calorias e hidratos de carbono num gel, com cerca de 50% de maltodextrina. Mais uma vez, cada um deverá encontrar o seu equilíbrio entre aporte necessário e sensibilidade gastrointestinal. 

Resumindo, os géis são uma fonte cómoda de ingestão de energia durante uma maratona de montanha e o seu timing é decisivo na performance. Contudo, num mundo desportivo cada vez mais dominado pelo marketing, torna-se fundamental focarmo-nos naquilo que realmente importa: treino, gel (quanto e quando), kcal, maltodextrina. Poderia vender o suplemento abaixo como uma boa fonte de hidratos de carbono para a performance, proteína para a recuperação, sódio para a hidratação, ferro para a anemia e especial adição de vitaminas, mas trata-se apenas da informação nutricional de um pão com queijo e fiambre:

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